terça-feira, 6 de maio de 2008

Monólogo Paulistano

(O Teatro. by Hormiguita Viajera)

Eu venho aqui no Municipal quase todos os dias. Procuro um lugar aconchegante na mureta ou na escadaria e passo horas observando as figuras que passam por aqui.

Velho Municipal! Penso na sua imponência, rodeado por enormes esculturas e pilares que dão a sensação de abrigo seguro e alguns como eu se recostam à sua volta, as vezes sem mesmo ter se sentido parte dele ou nem sequer perceber que aquele edifício majestoso foi palco e espectador da ópera da história paulistana, de sua poesia, sua arte e da cultura de um povo e de uma cidade que é a mistura de tudo: do desvairio da paulicéia com sua sanidade, da beleza e da poluição, do velho com o high tech.

Daqui, consigo ver os personagens que passam como se estivessem em uma dança perfeitamente sincronizada: dois ombros jamais se enconstam. Estão sempre desviando uns dos outros numa caminhada apressada e aparentemente sem destino. Pra onde vai essa gente com tanta pressa? Persigo cada um com o olhar e vejo o andar quase descompromissado do policial enquanto um trombadinha bate uma carteira, os mendigos fazendo imensos discursos pra ninguém sabe quem, madames passeando com seus lulus, office boys e executivos apressados, desempregados em busca de algum trabalho.

Desse lugar, acomodada na mureta, posso ver de tudo um pouco: as ruas em volta, os transeuntes, os camelôs anunciando suas mercadorias, o engarrafamento, o comércio frenético, o Mappin (hoje Casas Bahia), o Shopping Light, que antigamente era só Light, o Viaduto do Chá, a Praça Ramos, o Anhangabaú, os cães de rua.

É cães de rua! Vagam sem destino, cheiram o lixo as calçadas, as pessoas... e de quando em quando são enxotados.

E assim, mais uma tarde vai perdendo o sol. Vai ganhando a noite e a paisagem de um passado tão glamuroso como nas fotos preto e branco se transforma. O Teatro, com suas escadarias, pilares, esculturas e muretas já não me parece mais tão seguro. O vai e vem das pessoas muda o ritmo, os cães de rua também, os moleques, os mendigos, os noiados... E eu, uma observadora apaixonada pela cidade que me viu crescer vou deixando o meu cantinho pra me juntar à multidão que inspira as minhas tardes no Municipal.


(Monólogo adaptado e apresentado pelo grupo de Teatro Vocacional da Biblioteca Alceu Amoroso Lima no ano do 450º aniversário de São Paulo. Aos amigos que fiz neste grupo ofereço este post. Saudades muitas.)

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