sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Motoboys e motoristas em roleta russa

Imagine só se o transito de São Paulo fosse como o da Ilha Grande aí na foto!! Bão, né?


retirado em 14/11/08 de http://blog.estadao.com.br/blog/nos/

De um lado, cidadãos amedrontados se movem com seus carros por megacidades entupidas, fugindo de congestionamentos, tentando ganhar minutos em desvios e atalhos, competindo por espaços estreitos, pressionados por prazos, exigências e necessidades profissionais e pessoais, assombrados pelo risco de assaltos e aflitos com o perigo de cair na roleta russa de algum motoboy.

Por roleta russa entenda-se aquele trágico acaso de trombar com um, machucar alguém, interromper uma vida e marcar a sua própria; ou ser atacado por um descontrolado de capacete - talvez por uma nuvem deles, agredindo e destruindo...

De outro lado, cidadãos apavorados se equilibram em motos entre fileiras de veículos traiçoeiros, repletos de quinas e saliências tão hostis quanto seus ocupantes amedrontados, fugindo de congestionamentos em megacidades entupidas, tentando ganhar minutos em frestas e vãos, pressionados por prazos, metas de entrega, necessidades profissionais e pessoais, sem esperança de recuperar o emprego que perderam ou a microempresa que fecharam, aterrorizados pelo risco de verem ladrões levando seu veículo e ganha-pão, assombrados pelo perigo de cair na roleta russa de algum motorista.

Por roleta russa entenda-se aquele iminente choque que tira a vida de um motoboy a cada dia em São Paulo, aquela manobra brusca do playboy arrogante que o deixa sem poder trabalhar - e receber - por mais de seis meses, aquela ameaça armada do preclaro senhor transmutado em rambo de pistola na mão...

Há um clima de temor constante nas ruas.


Onde há medo, há ódio* e violência; onde há violência, há medo.

Não se trata de um simples círculo vicioso, mas de uma espiral que cresce e leva o conflito entre motoristas e motoboys a proporções imprevisíveis.

A lei não deu conta de regular essa convivência, atropelada pela realidade. O Código de Trânsito Brasileiro, de 1997, ia proibir que motociclistas se arriscassem entre os demais veículos, mas ninguém teve coragem de manter esta regra.

O número de motos cresceu (só em SP, 150 mil motofretistas), e o número de acidentes também: já em 2001 as ocorrências envolvendo motos eram 25% do total no País, embora os chamados ciclomotores representassem ainda 10% da frota nacional de veículos. Em 2002, 3,7 mil pessoas morreram nesses acidentes; em 2006, foram 6,8 mil, um aumento de 83%, segundo o Ministério da Justiça.

Em 2003, um projeto na Câmara dos Deputados tentava emplacar a proibição, mas não prosperou. E provavelmente não prosperará, já que nem os próprios motoristas suportam ver uma moto ocupando a vaga de um carro inteiro num congestionamento padrão.


As alternativas estão demorando.

Não se sabe se faixas exclusivas funcionam. Os rodízios não estão mais aliviando o peso do tráfego e o transporte coletivo demora a se tornar uma opção.

A falta de ação inteligente do poder público não é apenas desprezível. É um delito. Sem coragem para tomar decisões, políticos e autoridades estão cidadãos dos dois lados à beira das soluções de barbárie.

Motoboys em hordas instantâneas podem a qualquer momento cercar um motorista para vingar um de seus manos protegidos, mesmo que o motorista tenha sido a vítima no incidente; motoristas podem, a qualquer momento, fazer justiça com as próprias rodas, mesmo que a vítima seja um pai em serviço que cometeu uma pequena barbeiragem - ou nem isso.

Cada lado se apropria e domina o espaço ocupado à força. Motos são espremidas quando ocupam uma vaga na fila e carros são chutados quando mudam de faixa.

O trânsito sempre foi uma expressão crua do primitivismo humano, dos impulsos rudimentares de cada um. E o medo pode acuar perigosamente as feras.


* de Ivan Capelatto: a raiva vem do medo

Nenhum comentário: